Algumas
pessoas pensam que a ideia de um Messias salvador e libertador esteve sempre
presente no ideário israelita e, principalmente, na religião instituída pelos
patriarcas do Antigo Testamento. Essa afirmação, porém, se mostra inconsistente
quando os textos veterotestamentários são analisados. Até a fase de esplendor
de Israel, iniciada no final do período dos juízes e aclimatada durante os
reinados de Davi e Salomão, não existia qualquer menção a um Messias, divino ou
humano, que surgiria para libertar e restaurar Israel, até porque, até aquele
momento, não existia nada a ser restaurado. O povo guiado por Moisés ainda
engatinhava na construção de um reino poderoso e próspero, que só veio a se
constituir após o reinado de Saul. Por isso, tal concepção messiânica só
começou a tomar forma após o apogeu da civilização israelita, que se seguiu,
como todas as outras civilizações da história, a um período de intenso e
contínuo declínio que culminou na derrota por povos mais poderosos advindos do
oriente, a exemplo dos Assírios. Dessa forma, os relatos grandiosos de Israel,
passados de geração para geração, motivaram a ascensão de uma crença e uma
ideologia que tinham como ponto fundamental a fé de que um poderoso líder, da
linhagem dos grandes reis de Israel, ressurgiria e restabeleceria o esplendor
da civilização de Davi, no mesmo momento em que a libertaria de toda dominação
externa – notadamente do julgo romano – reuniria todas as 12 tribos originais,
ressuscitaria os mortos e, por fim, reergueria o suntuoso e sagrado templo
construído por Salomão.
O
cristianismo, por sua vez, na impossibilidade de reclamar um Messias tão terreno
e mundano que pudesse rivalizar tanto com Israel quanto com Roma, tomou
emprestado conceitos puramente zoroastristas, já existentes há séculos, e criou
seu próprio conceito de Messias, ou melhor, tomou emprestado uma figura icônica e mística, já existente em outras culturas, e vinculou-a às profecias judaicas
de retorno de um salvador e restaurador de Israel. Desta vez, porém, o conceito
de salvação messiânica dissociava-se de uma ideia de restauração nacional
israelita e voltava-se para atender aos anseios da uma massa pobre e marginalizada,
que via na figura de Jesus a redenção e a superação, na vida post-mortem, de
todo sofrimento conhecido em vida. A figura messiânica, portanto, não era mais
de um "herói nacional" que libertaria o povo israelita e restabeleceria a
grandiosidade de Israel, ou seja, o etnocentrismo judaico deu lugar ao
universalismo cristão, que proporcionou à figura messiânica um papel muito mais
amplo: a libertação terrena de um povo (israelita) deu lugar a uma libertação
espiritual de todos os povos, a salvação do domínio externo deu lugar a uma salvação
espiritual após a morte, e a espada, símbolo do conflito armado e da guerra, tornou-se,
na epístola de Paulo aos Efésios, a manifestação da Palavra de Deus. Dada a
impotência política e militar dos cristãos, tudo que era físico foi interpretado
como espiritual, ou seja, o que era tangível, se tornou abstrato na doutrina de
Jesus e de seus discípulos. Nesses termos, tudo que o Messias judeu deveria
cumprir fisicamente de acordo com o Velho Testamento, foi cumprido, segundo os
evangelhos e epístolas neotestamentários, espiritualmente pelo cordeiro de
Deus. A ressurreição e o “nascer de novo”, que antes contemplavam a passagem literal
dos mortos à vida, passaram a significar, de acordo com os próprios evangelhos,
uma mudança de pensamento e de práticas, ou quem não se lembra das famosas
frases ditas pelo Cristo “na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus", ou “eu sou o pão vivo que desceu do céu, se alguém comer deste pão, viverá para sempre". É certo que as
pessoas que ouviram essas palavras, ou que entraram em contato com elas há
algumas décadas, estão hoje mortas, então, o que Jesus queria dizer com esse “viver
para sempre”? Na certa, sendo ele o Logos (Verbo) e o Pão Vivo, ou seja, a Palavra do Pai,
manifestou ele uma doutrina que permitia os homens alterar seu comportamento de
acordo com o mandamento que, segundo João, tivemos desde o princípio: que nos
amemos uns aos outros. A intenção dessas frases era despertar no homem a
compaixão por seus semelhantes e, da mesma forma que outras tantas religiões
que propuseram a famosa “ética da reciprocidade”, promover um convívio humano
mais harmonioso. A experiência da ressurreição,
do nascer de novo, da morte e da vida; foram, portanto, usadas
metaforicamente para descrever o mesmo processo: o renovo do homem.
Apesar
de ímpar em suas figuras de linguagem, histórias ou metáforas para descrever o
sentido vital da doutrina; seria o cristianismo tão mais especial e verdadeiro
do que todas as outras religiões que propuseram o amor como finalidade
principal de suas crenças? Ou será que, na verdade, todas essas crenças não
representam um desejo demasiadamente humano por paz, justiça, amor e harmonia?
Por fim, termino com uma frase que ouvi em um seriado épico de televisão, no
qual se dava o embate entre crenças inegavelmente opostas, mas que, num momento
de distração, um personagem exclamou: "em algumas vezes, seu Deus parece demasiadamente com os nossos!".
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