domingo, 14 de junho de 2015

A teoria Messiânica e o sentido do Cristianismo

Algumas pessoas pensam que a ideia de um Messias salvador e libertador esteve sempre presente no ideário israelita e, principalmente, na religião instituída pelos patriarcas do Antigo Testamento. Essa afirmação, porém, se mostra inconsistente quando os textos veterotestamentários são analisados. Até a fase de esplendor de Israel, iniciada no final do período dos juízes e aclimatada durante os reinados de Davi e Salomão, não existia qualquer menção a um Messias, divino ou humano, que surgiria para libertar e restaurar Israel, até porque, até aquele momento, não existia nada a ser restaurado. O povo guiado por Moisés ainda engatinhava na construção de um reino poderoso e próspero, que só veio a se constituir após o reinado de Saul. Por isso, tal concepção messiânica só começou a tomar forma após o apogeu da civilização israelita, que se seguiu, como todas as outras civilizações da história, a um período de intenso e contínuo declínio que culminou na derrota por povos mais poderosos advindos do oriente, a exemplo dos Assírios. Dessa forma, os relatos grandiosos de Israel, passados de geração para geração, motivaram a ascensão de uma crença e uma ideologia que tinham como ponto fundamental a fé de que um poderoso líder, da linhagem dos grandes reis de Israel, ressurgiria e restabeleceria o esplendor da civilização de Davi, no mesmo momento em que a libertaria de toda dominação externa – notadamente do julgo romano – reuniria todas as 12 tribos originais, ressuscitaria os mortos e, por fim, reergueria o suntuoso e sagrado templo construído por Salomão.
O cristianismo, por sua vez, na impossibilidade de reclamar um Messias tão terreno e mundano que pudesse rivalizar tanto com Israel quanto com Roma, tomou emprestado conceitos puramente zoroastristas, já existentes há séculos, e criou seu próprio conceito de Messias, ou melhor, tomou emprestado uma figura icônica e mística, já existente em outras culturas, e vinculou-a às profecias judaicas de retorno de um salvador e restaurador de Israel. Desta vez, porém, o conceito de salvação messiânica dissociava-se de uma ideia de restauração nacional israelita e voltava-se para atender aos anseios da uma massa pobre e marginalizada, que via na figura de Jesus a redenção e a superação, na vida post-mortem, de todo sofrimento conhecido em vida. A figura messiânica, portanto, não era mais de um "herói nacional" que libertaria o povo israelita e restabeleceria a grandiosidade de Israel, ou seja, o etnocentrismo judaico deu lugar ao universalismo cristão, que proporcionou à figura messiânica um papel muito mais amplo: a libertação terrena de um povo (israelita) deu lugar a uma libertação espiritual de todos os povos, a salvação do domínio externo deu lugar a uma salvação espiritual após a morte, e a espada, símbolo do conflito armado e da guerra, tornou-se, na epístola de Paulo aos Efésios, a manifestação da Palavra de Deus. Dada a impotência política e militar dos cristãos, tudo que era físico foi interpretado como espiritual, ou seja, o que era tangível, se tornou abstrato na doutrina de Jesus e de seus discípulos. Nesses termos, tudo que o Messias judeu deveria cumprir fisicamente de acordo com o Velho Testamento, foi cumprido, segundo os evangelhos e epístolas neotestamentários, espiritualmente pelo cordeiro de Deus. A ressurreição e o “nascer de novo”, que antes contemplavam a passagem literal dos mortos à vida, passaram a significar, de acordo com os próprios evangelhos, uma mudança de pensamento e de práticas, ou quem não se lembra das famosas frases ditas pelo Cristo “na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus", ou “eu sou o pão vivo que desceu do céu, se alguém comer deste pão, viverá para sempre". É certo que as pessoas que ouviram essas palavras, ou que entraram em contato com elas há algumas décadas, estão hoje mortas, então, o que Jesus queria dizer com esse “viver para sempre”? Na certa, sendo ele o Logos (Verbo) e o Pão Vivo, ou seja, a Palavra do Pai, manifestou ele uma doutrina que permitia os homens alterar seu comportamento de acordo com o mandamento que, segundo João, tivemos desde o princípio: que nos amemos uns aos outros. A intenção dessas frases era despertar no homem a compaixão por seus semelhantes e, da mesma forma que outras tantas religiões que propuseram a famosa “ética da reciprocidade”, promover um convívio humano mais harmonioso.  A experiência da ressurreição, do nascer de novo, da morte e da vida; foram, portanto, usadas metaforicamente para descrever o mesmo processo: o renovo do homem.


Apesar de ímpar em suas figuras de linguagem, histórias ou metáforas para descrever o sentido vital da doutrina; seria o cristianismo tão mais especial e verdadeiro do que todas as outras religiões que propuseram o amor como finalidade principal de suas crenças? Ou será que, na verdade, todas essas crenças não representam um desejo demasiadamente humano por paz, justiça, amor e harmonia? Por fim, termino com uma frase que ouvi em um seriado épico de televisão, no qual se dava o embate entre crenças inegavelmente opostas, mas que, num momento de distração, um personagem exclamou: "em algumas vezes, seu Deus parece demasiadamente com os nossos!".